Da euforia à depressão, nenhum setor na bolsa de valores sentiu mais os solavancos da economia brasileira do que o da construção civil. Eu acompanhei de perto essas duas fases.
Como repórter que cobria o mercado de ações, assisti a nada menos que 20 empresas abrirem o capital na antiga Bovespa na década passada. Eu já contei um pouco da história dessa época de entusiasmo com as ofertas de ações nesta matéria.
No caso do setor imobiliário, a promessa era que o crescimento da economia e a queda dos juros levassem a uma explosão na demanda por imóveis. E quem fosse sócio de uma incorporadora ganharia muito dinheiro.
Como sabemos, deu tudo errado. O crescimento do mercado imobiliário ficou muito aquém do esperado, e os anos de crise econômica foram particularmente duros para o setor. Afinal, a última prioridade para quem perdeu o emprego ou estava com medo de perder era comprar um imóvel.
As perspectivas neste ano não eram as melhores, pelo menos até o resultado das urnas no primeiro turno. Mas desde que foi aberta a temporada de compras na bolsa, com as pesquisas que colocam Jair Bolsonaro praticamente sentado na cadeira de presidente, as ações das construtoras e incorporadoras estão entre as que mais se movimentaram.
Enquanto o Ibovespa, índice que reúne as principais ações negociadas na B3, registra alta de 1,8% desde o primeiro turno das eleições, a incorporadora Even acumula uma valorização de mais de 30%. A concorrente Helbor sobe 22,5% e a Tecnisa, 18,4%.
É o juro
As ações do setor que mais subiram nas últimas semanas foram as da PDG e da Viver. Mas aqui é preciso fazer uma ressalva: ambas estão em recuperação judicial e valem centavos na bolsa. Por isso qualquer variação, para cima ou para baixo, costuma ser mesmo brusca.
Mesmo tirando as duas da conta, porém, fica claro que o rali Bolsonaro deu impulso ao setor, ainda que nem todas as ações tenham subido. Fique comigo que eu te conto a razão até o fim desta reportagem.
Primeiro, é preciso dizer por que o mercado acredita que um eventual governo do capitão pode impulsionar as empresas imobiliárias. E a resposta atende pelo nome de taxa de juros.
Os investidores compraram a tese de que os juros com Bolsonaro permanecerão em patamares baixos. Isso porque, sempre na visão do mercado, a equipe econômica liderada pelo “posto Ipiranga” Paulo Guedes deverá tomar medidas para conter o desequilíbrio fiscal.
Essa aposta já derrubou as taxas futuras. O juro para cinco anos negociado na B3 caiu de 11,04%, logo antes das eleições, para 10% ontem.
É o crédito
Mas o que tem a ver equilíbrio fiscal e taxas de juros com as ações das incorporadoras na bolsa? Bem, eu não sei quanto a você, mas a grande maioria das pessoas precisa tomar financiamento para comprar a casa própria.
E, quanto menor a taxa de juros, mais acessível fica o crédito imobiliário. A queda da Selic para os atuais 6,5% ao ano já permitiu um corte nas taxas pelos bancos. A demanda do consumidor ainda não veio, até porque são poucos os que se aventuram a tomar um financiamento de 30 anos sem saber quem vai assumir o comando do país a partir de 2019.
Mas para um gestor de fundos com quem conversei, a questão da confiança melhora com Bolsonaro. Embora o capitão tenha vacilado recentemente em relação aos temas mais caros ao mercado, como reforma da Previdência e privatizações, o candidato ao menos manteve o apoio à manutenção de medidas como o teto de gastos.
“Pelo menos enquanto o mercado der o benefício da dúvida e isso se refletir em estabilidade econômica, mais pessoas devem se decidir por comprar um imóvel”, diz o gestor.
Quem ganha e quem perde
A bola das incorporadoras foi cantada pelos analistas do J.P. Morgan. Em relatório a clientes logo após o primeiro turno, os analistas do banco americano apontaram que a vitória de um candidato com uma visão mais favorável ao mercado é positiva para o setor de construção civil como um todo.
As incorporadoras voltadas a projetos imobiliárias de renda mais alta são apontadas como as que mais ganham em caso de vitória de Bolsonaro. Elas são justamente as que mais dependem da demanda do consumidor e das condições de crédito favoráveis para crescer.
Estamos falando de empresas como Even, Helbor, Tecnisa e Cyrela. A Gafisa é outra incorporadora que pode ganhar com o rali Bolsonaro. Mas a empresa vive seus próprios dilemas depois da polêmica mudança no comando.
Embora um possível cenário de juros mais baixos e crédito farto ajude todas as empresas, nem todas pegaram carona no rali Bolsonaro, e agora sim eu te explico quem são elas e por quê.
As ações que ficaram para trás foram as das incorporadoras focadas em empreendimentos para a baixa renda, como Direcional, MRV e Tenda. São dois os motivos pelos quais elas ficaram para trás.
A primeira é de natureza mais técnica. As incorporadoras voltadas para o público de baixa renda estão hoje mais bem avaliadas na bolsa. É o caso das ações da Tenda, que acumulam uma valorização de 41% mesmo com a queda nas últimas semanas.
A outra incerteza que paira sobre as empresas é o futuro do programa Minha Casa Minha Vida em um governo do candidato do PSL. Para os analistas do J.P. Morgan, existe, por exemplo, a possibilidade de uma redução nos subsídios dados ao programa, para o qual são destinados boa parte dos lançamentos dessas incorporadoras.
E então, o que você acha? Melhor “jair construindo” um portfólio com ações do setor imobiliário ou essa euforia do mercado não passa de um castelo de cartas que pode desmoronar? Diga sua opinião abaixo na caixa de comentários.